8 de março de 2010

Dogville (Spoilers)


Assim que o filme começou, a simplicidade de cenários chamou imediatamente a minha atenção. Até fiquei na dúvida se aquilo que estava a ver seria mesmo um filme ou uma filmagem de uma peça de teatro, já que também tem um narrador omnisciente que nos vai contando a história (pouco usual nos filmes). Mas 3h de filme depois já estava mais que esclarecida. Sim, 3h, o filme é realmente longo mas vale a pena por cada minuto.

Lars Von Trier é um realizador único e um filme como este só podia sair mesmo da sua mente. Não há paredes nem cenários, há apenas marcações dos espaços (casas e ruas) da fictícia cidade de Dogville, desenhados no chão. Uma cena muito bem conseguida pela ausência de cenários é uma em que Grace (protagonista brilhantemente interpretada por Nicole Kidman) é violada por Chuck. A cena é filmada de tal forma que podemos assistir, no mesmo plano, a esta cena e ao desenrolar da vida rotineira dos restantes habitantes, que não vêm a violação já que na realidade da história existem paredes e construções. Há uma simbiose plena do enredo, do fictício, com a realidade cenográfica para nos conceder uma cena única.

Não há banda sonora. Nota-se perfeitamente que foi filmado com a câmara na mão (a imagem não é completamente estável) e há ao longo de todo o filme cortes de cenas perfeitamente visíveis (e propositadas). É interessante pensar que era o próprio Lars Von Trier quem controlava a câmara. Não há deslocamentos temporais ou geográficos: passa-se tudo na cidade de Dogville num espaço de dias. As constantes alterações de luz estão muito bem conseguidas, marcando a mudança do dia para a noite (e vice-versa), momentos importantes do filme, imitando até mesmo o luar e pormenores como sombras a apontar para um determinado sítio. Aliás, até os detalhes de som são levados em conta: apesar de não existirem portas (são imaginárias), sempre que alguma personagem abre a porta ouvimos o som disso mesmo.

As personagens – os habitantes da vila – são vistos como cães, uma vez que se comportam de forma instintiva, guiados pelas suas necessidades físicas e pelo desejo de proveito próprio, egoísmo puro. Mas para Grace (que chega à cidade por estar a fugir de alguém, sendo por isso uma estrangeira à procura de aceitação naquele lugar) todos têm pequenos defeitos facilmente perdoáveis. Ela chega mesmo a ser acorrentada tornando-se uma escrava física e sexual de todos. Esta inferioridade de Grace relativamente aos restantes habitantes leva mesmo a que os homens deixem de se sentir culpados e as mulheres não se sintam traídas. Grace diz-nos porque é que aceitou a sua condição: o perdão às fraquezas humanas. Mas o que ela apelida de perdão pode muito bem resultar em arrogância, como constatamos no final de filme. Ela sentia-se superior a todos, nunca foi realmente submissa. Podia ter abandonado a vila em qualquer momento, mas nunca o fez. Afinal os verdadeiros prisioneiros eram os habitantes e não ela. E é quando ela se apercebe desta sua arrogância que a história se inverte totalmente e acaba de uma forma completamente inesperada. Afinal nem todos os defeitos são perdoáveis e o ser humano não é um cão. O ser humano tem a capacidade de pensar e por isso deve recusar o seu instinto animal quando este atinge proporções ridículas. Assim se explica que no fim ninguém seja perdoado, à excepção do cão, que esse sim tem desculpa para viver segundo os seus instintos.

Parte da moral do filme baseia-se na diferença entre o altruísmo de Grace (o dar sem esperar nada em troca) e o quid pro quod (dos habitantes), que exige uma compensação equivalente para cada acção. Grace passa os seus dias ocupada a fazer coisas que não são necessárias, mas que os habitantes generosamente permitem que ela faça, desde tomar conta de crianças a limpar a casa. Mas como são eles que lhe fazem um favor ao permitirem que ela trabalhe, ela ainda lhes fica a dever algo, tornando-se então na tal escrava física e sexual. Isn’t it ironic?

Como o próprio Lars disse, é uma história universal sobre os seres humanos e as suas fraquezas.

É uma crítica não só à natureza humana mas às sociedades que são um reflexo dessa natureza. Dogville podia ser uma cidade qualquer, em qualquer época, com toda a sua arrogância e hipocrisia. E a ausência de paredes leva-nos a outra situação, à cegueira voluntária, em que todos sabem o que se passa mas fingem não ver.

4 comentários:

Anónimo disse...

oK, Dá para perceber que gostaste mesmoooo

Zuza disse...

bastante! :)

Anónimo disse...

quando tiver mais tempo, a ver se o vejo..

sophia disse...

Vim de passagem e tive de parar aqui. Este é um dos meus filmes preferidos! Muito bem escolhido! Depois de o ver fiquei fã do realizador, pela frontalidade e pela forma como nos faz pensar nas "estupidezes" das pessoas