15 de março de 2010

Nascido num dia azul


«Diz-se que toda a gente tem um momento perfeito, de vez em quando, uma experiência de ligação e paz completa, como olhar do alto da Torre Eiffel ou ver uma estrela cadente no céu da noite. (...) O que os torna especiais é serem raros. (...) Imagino estes momentos como fragmentos ou estilhaços espalhados por uma vida. Se alguém pudesse apanhá-los e juntá-los, teria uma hora perfeita, ou mesmo um dia perfeito. E penso que nessa hora ou nesse dia estaria mais próximo do mistério do que é ser-se humano. Seria como um vislumbre do céu.»

E assim acaba um dos melhores livros que li nos últimos tempo. Li estas últimas palavras fascinada com quem as escreveu: Daniel Tammet. Nem sei por onde começar. Ora, sofre de Síndrome de Asperger (um tipo de autismo, para simplificar as coisas), mas dada a sua experiência de vida (a convivência com imensos irmãos, o voluntariado que fez, entre outros factores) conseguiu ultrapassar um dos maiores problemas dos autistas: a interacção social. Isto permitiu-lhe integrar-se cada vez mais na nossa sociedade, com um esforço acrescido, obviamente. E ao conseguir interagir e estabelecer comunicação com os outros permitiu também que os cientistas estudassem (e estudem) o fenómeno misterioso que é a sua mente. Se lhe derem um pedaço de plasticina e lhe disserem um número, ele reproduz na plasticina a imagem que se forma na sua mente ao pensar neste número. Cada número para ele tem uma forma, uma cor, uma textura (os entendidos na matéria chamam-lhe sinestesia, o que por acaso até faz sentido como figura de estilo). Estabeleceu um novo recorde europeu quando recitou 22 514 algarismos do pi em 5 horas. Diz que, na sua mente, o pi representa uma paisagem pois cada número contribui com um elemento para essa paisagem. Foi-lhe pedido por cientistas que estudasse num ecrã de computador dígitos do pi, mas tinham substituído secretamente os seis por noves em pontos ao acaso. Daniel diz-nos que conforme olhava para o ecrã começava a sentir-se desconfortável e a fazer caretas, pois via partes da sua «paisagem numérica a partirem-se, como se tivessem sido vandalizadas». Para ele, «pi é uma coisa extremamente bela e absolutamente única. Como a Mona Lisa ou uma sinfonia de Mozart, pi contém a sua própria razão para ser amado.»

É capaz de fazer cálculos mentais de cabeça em 10 segundos que eu não faria nem numa hora (e não era de cabeça). Se souber uma data de nascimento sabe precisar imediatamente a que dia da semana corresponde. Como em qualquer situação que envolva génios, foi jogar blackjack, e imaginem só que ele ganhou! (ler com tom irónico) Tem uma facilidade fascinante em aprender várias línguas e até fez disso profissão: criou um site, o Optimenm, onde disponibiliza cursos e formas de aprendizagem de línguas.

No seu livro dá-nos o exemplo de outras pessoas como ele. G. K. Chesterton «era capaz de citar de memória capítulos inteiros de Dickens e de outros autores e recordava os enredos dos 10 000 romances que avaliara como editor. As suas secretárias relatavam que ele podia ditar um artigo ao mesmo tempo que escrevia outro à mão, sobre um assunto completamente diferente. Contudo, estava sempre a perder-se, tão absorvido nos seus pensamentos que, por vezes, tinha de telefonar à mulher para o ajudar a regressar a casa.» Kim Peek, que «era capaz de ler aos dezasseis meses e completou o currículo do secundário aos catorze anos. Kim memorizou, ao longo dos anos, uma vasta quantidade de informação acerca de mais de uma dúzia de assuntos, que vão desde História e datas até à Literatura, Desporto, Geografia e Música. Consegue ler simultaneamente as duas páginas de um livro, cada uma com seu olho, com uma retenção quase perfeita [olha o jeito que isto me dava!]. Kim já leu mais de 9 000 livros inteiros e consegue recordar todo o seu conteúdo.» Lê em 10 segundos algo que lemos em 3 minutos.

O Homem é um autêntico leigo em certas matérias da mente humana. Mas é sempre fenomenal quando surge um caso destes, possível de ser estudado e que contribui grandemente para a descoberta de novas teorias. E estas coisas fascinam-me. Era só isso.

Aconselho vivamente que vejam este vídeo. Ou este. E este, este, este, este e este. E já agora o site dele. E que, obviamente, leiam o livro. Só isso.

1 comentários:

Rita disse...

Estive compra não compra! Vou comprar então :)